Por Maria Letícia Aragão
Viva o Pajeú! Com estas palavras o Prof. Dr. Genival Barros Júnior deu por iniciado o I encontro do ciclo de debates “Tópicos do Semiárido”, promovido pelo projeto AGREGA em cooperação com o CCBA – Centro Cultural Brasil Alemanha – e o NEPPAS – Núcleo de Estudos, Pesquisas e Práticas Agroecológicas do Semiárido da UFRPE/UAST. A discussão se deu em torno do tema central “A Bacia Hidrográfica do Rio Pajeú e sua importância estratégica para o desenvolvimento da microrregião do Pajeú”.
Estiveram presentes integrantes do projeto AGREGA, parceiros de instituições como UFPE e UFRPE e de entidades civis, além de participantes interessados na temática cuja formação acadêmica é voltada – direta ou indiretamente – para a área do meio ambiente. Dentre as problemáticas elucidadas pelo Prof. Genival, a crescente preocupação com as condições da Bacia do Pajeú foi a de maior repercussão. A emergente crise ambiental perpassa diversos aspectos, desde a urgência hídrica à climática, e reverbera a partir de efeitos adversos na sociedade. A Bacia do Pajeú, ao longo dos anos, vem sendo objeto de estudo de diversas pesquisas e projetos de extensão que intentam monitorar a qualidade da água, observando parâmetros hidrológicos que devem ser compreendidos a curto, médio e longo prazo. O professor Genival pontuou veementemente a necessidade da busca por soluções e alternativas viáveis para o problema da qualidade e disponibilidade hídrica da Bacia. Deve-se compreender, nesse sentido, que a Bacia abastece cerca de 27 municípios da microrregião do Sertão do Pajeú e percorre o equivalente a 353km. O que reitera seu potencial e sua relevância para a população local e regional, visto o Rio Pajeú ser o maior afluente do Rio São Francisco e ter a maior bacia hidrográfica do Estado de Pernambuco.
Diante deste cenário, algumas questões levantadas pelos participantes trouxeram à tona inquietações pertinentes ao tema. O uso e a ocupação indevida de trechos e margens dos afluentes da Bacia por pequenos produtores, pela população local ou por microempresários locais têm afetado severamente inúmeros aspectos do fluxo dos canais e a qualidade direta da água. De modo que, o abastecimento da rede, a partir destas fontes primárias, fica comprometido a níveis alarmantes. A perfuração de poços, como uma “alternativa” à escassez e ao acesso à água, assume aqui um papel controverso, amplificando a diminuição da disponibilidade hídrica em níveis subsuperficiais e superficiais, chegando a atingir reservatórios no lençol freático. Este é o ponto crítico da questão. A retirada indiscriminada da água em poços clandestinos, não registrados, bem como seu manuseio inadequado tem tornado a água cada vez mais inapropriada para consumo humano. Outro aspecto associado à ocupação inadequada dos leitos dos rios da Bacia do Pajeú é a limitação do acesso às áreas, até então públicas, por propriedades privadas para fins individuais, restringindo assim a aproximação da população, amplificando problemas relacionados à poluição hídrica. A qual se dá, principalmente, a partir do despejo irregular de resíduos sólidos, orgânicos, oriundos da atividade agropecuária e, em casos específicos, industriais. Nesse sentido, o papel estratégico do poder público, considerando todas as suas esferas, vem sendo questionado à medida que pouco se tem conhecimento de uma ação efetivada, de fato, para minimizar tais impactos.
Muito embora a água seja o foco central da discussão, o Sertão do Pajeú tem sido um espaço de constantes adversidades de impacto ambiental. O bioma caatinga, o qual está totalmente inserido nesta microrregião, carrega uma herança de vulnerabilidade intensificada pelas mudanças no clima, e, sobretudo, àquelas associadas às ações antrópicas de alta destrutividade.
A devastação velada do bioma é vista sutilmente sendo legitimada pela dinâmica econômica local atrelada ao uso extensivo das terras principalmente pela caprinocultura e bovinocultura, principal meio de subsistência da região, além de outras atividades pecuárias. O manejo intensivo de áreas que apresentam solo característico e vegetação nativa da caatinga para a produção agropecuária é uma das causas para a deterioração progressiva destes recursos naturais. O impasse não é o modo de produção em si, o que é discutido são as condições nas quais este tipo de cultura tem sido adotado por pequenos agricultores e proprietários de terra. Onde o solo é acometido por um desgaste imediato consequente da pastagem e pisoteio dos caprinos e bovinos – além de outros animais de pequeno porte. Estas pequenas áreas, somadas às demais que adotam a mesma estratégia, estão, aos poucos, e preocupantemente, tornando os solos e a vegetação do bioma degradados a níveis críticos – e dificilmente reversíveis. Assim, a questão mais alarmante é a possível desertificação destes espaços rurais resultantes do uso predatório das atividades humanas sem um planejamento voltado à medidas preventivas. Destas, pode-se destacar o reflorestamento das áreas descampadas, rotatividade das áreas de pasto e de cultivo, delimitação de áreas para o pastoreio, uso consciente da água voltada às atividades rurais e uma legislação que regulamente tais ações.
Esse gerenciamento de risco deve-se atentar ao contexto e historicidade da região, considerando o modo de vida da população e sua relação com o campo. Muito embora os problemas enfrentados pelo Sertão do Pajeú não sejam recentes, não há notícias de ações sistemáticas de órgãos e entidades governamentais que visem frear o impacto sofrido pelo bioma a fim de repará-lo. A este fato, o poder público assume uma postura alheia à certas atividades irregulares tais como, a retirada de madeira bruta – em casos ilegais – da Região, a ocupação das margens de rios e afluentes para exploração da água ou sua utilização para agricultura e/ou pecuária, manuseio inadequado dos solos e devastação da vegetação primária. É importante ressaltar que, nesse cenário, o papel exercido por ONGs, grupos sociais e afins é essencial para fomentar a identificação destes problemas e levar denúncias estruturadas a órgãos competentes, como o Ministério Público de Pernambuco. A partir daí a jurisdição estatal deve-se interpor na intermediação e resolução de tais desconformidades.
O debate posterior à palestra foi cativado pelas informações elucidadas pelo professor o qual, sucintamente, explanou sobre diversos aspectos que interagem com a Bacia do Pajeú, permitindo assim, uma discussão ampla acerca da temática. A palestra do Prof. Dr. Genival foi a primeira de uma série de debates que serão desenvolvidos ao entorno do eixo “Tópicos do Semiárido”. A proposta é fomentar o diálogo entre a comunidade científica e o público geral para questões concernentes à melhoria da qualidade de vida nesta região.
Assista abaixo a palestra na íntegra ou através de nosso canal do Youtube:
< https://www.youtube.com/watch?v=xJTxH9GOzrc >